sábado, 24 de abril de 2010

O Astro Encontrou Sua Banda


Não sei o que acontece na Vila Belmiro, eu interditaria o lugar para explorações científicas. O estádio é mágico, o relâmpago não somente caiu duas vezes no mesmo lugar como fez residência.

Neymar já tem seu reinado.

O que ele anda aprontando é imperdoável para seus dezoito anos. Vinte e um gols em 21 jogos, média de um por jogo - doze em 17 rodadas do Campeonato Paulista e nove em 4 da Copa do Brasil. Atacante, driblador, marca de qualquer jeito, de trivela, coxa, cabeça.

Agora inventou até o gol tubarão diante do São Paulo, aperfeiçoando o peixinho com uso das mãos. Suas atuações fantásticas lembram Messi do Barcelona. Até os céticos em reencarnação já o comparam a Pelé, isso que Édson Arantes do Nascimento nem morreu. Assinalou cinco vezes contra o Guarani, em vitória esmagadora do Santos por 8 a 1.

Dá gosto de ver o rapaz franzinho, inclinando o corpo para um lado para tomar a bola noutro. Seu topete mostra o quanto é uma criança brincando de aparência entre adultos.

Enquanto os malandros propõem paradinha na hora do pênalti, ele faz paradinha a cada toque, desengonçando a cintura dos zagueiros.

É um artista do blefe, da hesitação, do arranque, sem dúvida. Para ser gênio, é questão de tempo. A genialidade surge da boa vizinhança.

Boa vizinhança, digo e repito. A fama do bairro depende de seus vizinhos. Nossa ânsia por um salvador nos estraga. Nossa fome personalista subestima a importância do partido. Pensamos na realeza e esquecemos a corte. Procuramos um Messias e desprezamos a religião.

Portanto, o craque não surge sem time. É o time que faz o craque. Por que Neymar não despontou no Brasileiro do ano passado? Como explicar seu desempenho apático? Pela idade?

Não são os hormônios, convenhamos. Futebol é coletivo. Não havia como tabelar com sua imaginação. Estava absolutamente sozinho, ensimesmado na pequena área. Autista.

Ronaldinho, por exemplo, na geriatria do Milan e com Alexandre Pato machucado, não mudará sua cotação, ameaçado de perder a Copa. Taison, por sua vez, jovem atacante colorado, explodiu no ano passado pela companhia do igualmente veloz Nilmar e desapareceu neste ano ao lado do lento Alecsandro. Ambos carecem de vizinhos de qualidade para alcançar sal e açúcar.

Neymar é resultado de uma constelação de jogadores habilidosos, alegres e irreverentes. Sua engenharia não funcionaria sem a arquitetura de Robinho e Paulo Henrique Ganso. O trio não conversa, eles se adivinham, na telepatia das sombras.

Assim como Pelé nunca seria quem foi se não estivesse ciceroneado por cobras como Dorval, Coutinho, Mengálvio, Zito e Pepe.

Que sirva de lição. A fidelidade a um único time consagrou o rei.

Poderia subir nos telhados dos adversários, pois havia alguém segurando a escada. Tinha tranquilidade para se arriscar, uma base de refinamento, a certeza de que não seria abandonado. A equipe se moldou para suas pretensões e virtudes, com a substituição de peças do mesmo calibre a cada temporada.

Neymar encontrou sua turma. Nenhum vocalista isolado alcança projeção.

Depende do guitarrista, do contrabaixista e do baterista.

O mínimo que se deve alcançar a um astro é uma banda.

Santos F. C. de novo nas paradas de sucesso.

*Carpinejar, Fabrício Carpi Nejar, poeta e jornalista, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS. Nasceu em Caxias do Sul (RS) aos 23 de outubro de 1972.



Retirado do Santos Futebol Clube

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